O bode da esquerda

"Chamar o governo brasileiro de neoliberal é como apresentar Adam Smith como o fundador do marxismo"
Não sei o que você pensa sobre a esquerda, mas sei o que a esquerda pensa sobre você. A esquerda pensa que você acredita em qualquer lorota. Na semana passada, apareceu um novo culpado pelo achincalhamento petista. O problema, segundo essa nova interpretação, não é roubalheira do PT. O pecado original foi a cúpula do PT ter aderido à direita. Veja o que escreveu um dos papas da sociologia brasileira, o ex-petista Francisco de Oliveira: "O 'escândalo' maior não reside na revelação das 'mutretas' – escandalosa não é a desconstrução do PT, é a construção da vitória de Lula e de seu governo em bases neoliberais". No capitalismo contemporâneo, acrescenta Francisco de Oliveira, o Estado não governa para a sociedade. Curva-se aos interesses econômicos e faz a sociedade curvar-se com ele.
A academia fugiu da escola. Os professores não sabem mais do que estão falando. O neoliberalismo prega a redução do Estado na economia e na sociedade e uma ampla abertura ao exterior. O Estado, para ser neoliberal, deveria cuidar só da Justiça, polícia, Exército, diplomacia, arrecadação de impostos e mais uma ou duas tarefas típicas do ente governamental. Isso não é o que se vê no Brasil.
O oposto do neoliberalismo é o Estado forte que nada concede ao mercado. Alguns dos mais extremados expoentes dessa categoria são os modelos cubano e norte-coreano, além dos sistemas implantados no século passado por Stalin, Mao, Pol Pot e Hitler. Pode-se ter certeza de que o professor Francisco de Oliveira, sumidade em seu campo de estudo, não está sugerindo que o Brasil siga esses exemplos. Frei Betto, o guia espiritual de Lula, acha que o Brasil deveria mirar-se no exemplo de Fidel Castro, mas Frei Betto não é nenhum Francisco de Oliveira. Então, o que estaria pregando o eminente sociólogo da USP? Um Brasil, por assim dizer, capitalista mas nem tanto?
Informo aos detratores da utopia neoliberal, como Francisco de Oliveira, que o Brasil é um dos países menos neoliberais do mundo. Há formas objetivas de medir isso. O governo brasileiro, fechado e centralizado, se apossa de 36% do PIB em impostos. Toma para si 68% da poupança destinada ao crédito no país. Tem a mais alta carga de juros do planeta. É um dos países mais burocratizados do mundo. Cobra 100% de encargos sobre os salários dos trabalhadores, contra 9,5% no Chile. "Em 2003, o Brasil foi o sétimo país com menor fluxo de comércio e o terceiro com menores importações, como proporção do PIB, de um conjunto de 145 países", escreve Armando Castelar Pinheiro, economista do Ipea.
Num levantamento deste ano sobre o grau de liberdade econômica feito pelo Instituto Fraser, do Canadá, o Brasil aparece como um dos menos livres do mundo, em 88º lugar, numa lista encabeçada por Hong Kong, o mais aberto, Cingapura, Nova Zelândia, Suíça e Estados Unidos. O Brasil, no fim do ranking, é mais fechado do que a China comunista e a Índia, de tradição socialista. Chamar o governo brasileiro de neoliberal é como apresentar Adam Smith como o fundador do marxismo. E, para não perder o fio da meada, o mal do PT não foi o neoliberalismo. Foi roubalheira mesmo.

Tales Alvarenga

A sina do povo da Ilha de Páscoa

Localizada no oceano Pacífico a 3200 km da costa do Chile, a Ilha da Páscoa, ou Rapa Nui como a chamam os polinésios, intrigou os europeus antes ainda que o primeiro deles pussesse os pés na ilha. No dia da páscoa do ano de 1722 o capitão Jacob Roggeveen ao avistar a desconhecida ilha, intimidou-se com o que, sob a difusa luz do entardecer, pareciam ser ameaçadores gigantes protegendo a costa. Os gigantes, descobriu o cauteloso capitão na manhã do dia seguinte, eram impressionantes estátuas de pedra, construídas por um povo que chamava à sua ilha de "Te-Pito-Te-Henua", ou "Umbigo do Mundo".

Ao contrário da maioria das outras ilhas daquela parte do mundo, o terreno não tinha grandes árvores e a grama era tão seca que, a distância, parecia areia. Recebido por uma comitiva de nativos em canoas frágeis e cheias de remendos, Roggeveen resolveu desembarcar e surpreendeu-se com as gigantescas figuras de pedra, esculpidas na forma de rostos humanos, espalhadas ao longo do litoral. “Ficamos muito espantados, pois não compreendíamos como essas pessoas, que não dispunham de cordas fortes ou madeira adequada para construir máquinas, conseguiram erguer aquelas imagens com mais de 10 metros de altura”, escreveu em seu diário de bordo.

No interior da ilha, dentro da cratera de um vulcão extinto onde as estátuas costumavam ser esculpidas, o ambiente era fantasmagórico. As ferramentas utilizadas pelos escultores espalhadas pelo chão, estátuas inacabadas e outras deixadas para trás nas estradas que levavam ao litoral davam a impressão de que o lugar havia sido abandonado.

Quando os primeiros polinésios chegaram lá, provavelmente há cerca de 1 400 anos, encontraram um pequeno paraíso. Eram 166 quilômetros quadrados cobertos por uma densa floresta subtropical que crescia sobre o solo fértil de origem vulcânica do qual a ilha é formada. Entre a vasta vegetação nativa, a planta mais comum era uma espécie de palmeira alta e robusta que só existia ali. Além de ter uma madeira forte o bastante para a construção de embarcações e para ajudar a transportar os moais, a palmeira fornecia nozes para a alimentação dos moradores.

A riqueza da fauna também se refletia nas panelas da ilha. Carne de golfinho, de focas e de 25 tipos de pássaros selvagens compunham o banquete – tudo cozinhado no fogo da lenha retirada da floresta. Também, haja comida. Pelos cálculos da arqueóloga Jo Anne Van Tilburg, da Universidade da Califórnia, cerca de 25% dos alimentos produzidos na ilha eram consumidos na intensa produção e transporte de estátuas. Estima-se que eram necessárias até 500 pessoas, utilizando cordas e uma espécie de trenó feito de grandes toras de palmeiras, para arrastar os moais por 14 quilômetros até o litoral.

A partir do ano 1200, a produção de estátuas entrou num ritmo mais acelerado, que durou por cerca de 300 anos. Era preciso cada vez mais madeira, cordas e alimentos para sustentar a crescente disputa entre os clãs que dominavam a ilha, que competiam para ver quem erguia as maiores estátuas. A competição, no entanto, acabou sem vencedores. Pouco depois de 1400, a floresta já não existia e a última palmeira foi cortada, extinta juntamente com outras 21 espécies de plantas nativas. Com a floresta, foram-se as fibras que eram transformadas em cordas, utilizadas em conjunto com as toras no transporte dos moais. Sem troncos fortes para construir canoas resistentes, capazes de ir até alto-mar, a pesca diminuiu muito e a carne de golfinho virou raridade nas refeições. As colheitas também foram prejudicadas pelo desmatamento, já que não havia mais vegetação para proteger o solo da erosão causada pelos ventos e pela chuva. Com seu habitat devastado, todas as espécies de pássaros que voavam pela ilha foram finalmente extintas.

Sem ter o que comer, o número de habitantes foi reduzido a um décimo dos 20 mil que chegaram a viver na ilha no auge do culto aos moais. Os moradores, famintos, finalmente cederam ao canibalismo. Em vez de ossos de pássaros ou golfinhos, arqueólogos passaram a encontrar ossos humanos em escavações de moradias datadas desse período. Muitos deles foram quebrados para se extrair o tutano. Até hoje, um dos maiores insultos que se pode dizer a um inimigo na ilha da Páscoa é algo como “tenho a carne da sua mãe presa entre meus dentes”. Não sobrou madeira nem pra palito.

A piada do separatismo

Roberto Pompeu de Toledo


J
á que o Brasil, como se sabe, é um país do Leste Europeu, mais dia, menos dia tínhamos mesmo que enfretar essa desgraça – a eclosão da questão das nacionalidades. Afinal, que têm a ver os baiano-korobovskis, do Norte, sabidamente mulçumanos, embora às vezes disfarçados de adoradores de mães-de-santo, com , digamos, os paraneslavos de Kuritibogrado, do Sul, cristãos de rito ortodoxo-grego? E as diferenças de língua, então? Como pode se entender um país que abriga desde os piauivskos de Teresinisburg, um povo que fala um idioma singular, só aparentado, e mesmo assim vagamente, com o húngaro, o finlandês, o vogul e o ostiak, até as minorias étnicas do Gauchistão, com seus dialetos próximos do turco, quando não do persa, e sua escrita que emprega do alfabeto árabe aos hieróglifos egípicios ?

Mais dia, menos dia tínhamos mesmo que enfrentar o problema, e eis então que surge no país, como já surgira na Iugoslávia, ao som de bombas, e na União Soviética, ao embalo da infelicidade de Mikhail Gorbachev, a desgraça do separatismo. Um instituto de opinião chamado Bonilha, de Curitiba, fez uma pesquisa mostrando que 41% dos sulistas gostariam de se separar do Norte. O assunto começou a fazer sua aparição em rodas de políticos, acadêmicos, empresários e assimilados. Editorialistas de jornal, com a pompa e a circunspecção que caracterizam a raça, chamaram a questão de ‘‘delicada’’ e nos convidaram à reflexão.

Delicada o quê, cara pálida? A questão seria delicada se não fosse ridícula. Achar que o separatismo tem um mínimo de seriedade, no Brasil, é tão absurdo quando imaginar que ficamos nos Balcãs, ou nas franjas da Eurásia, e portanto estamos no mesmo barco dos povos que se desagregam junto com o poder comunista.

Na verdade, para ser pomposo e circunspecto como um editorialista de jornal, se há alguma coisa que deu certo no Brasil foi a unidade nacional. Muitas outras deram errado, do atraso na industrialização à distribuição de renda. Na construção da nacionalidade, ao contrário, uma série de audácias e outros tantos golpes de sorte acabaram por assegurar, ao longo da História brasileira, primeiro um amplo espaço, com fronteiras consolidadas, e, segundo, a inserção, aí dentro, de uma ponta a outra dessa vastidão continental, de um povo que fala a mesma língua e tem mais ou menos a mesma cabeça. Inventar que existe uma questão nacional, no Brasil, ou de peculiaridades regionais que justificariam o separatismo, só pode ser piada.

Se é piada, por que o assunto mereceu a atenção de editorialistas e institutos de opinião? Simples.

Quanto aos editorialistas – ou raças próximas, como a dos cientistas políticos – o problema é que vivem de inventar teorias. Então, criaram uma segundo a qual o que se observa no Leste Europeu é uma tendência universal. Se há a questão dos sérvios contra os croatas, por que não haveria a dos alagoanos contra os sergipanos? E se há, ente armênios e azerbaijanos, o problema de Nagorno-Karabakh, de maioria armênia, mas dentro do territorio do Azerbaijão, por que não supor que, entre São Paulo e a Paraíba, não haveria o problema do bairro do Brás, incrustada na capital paulista mas de ampla população nordestina, feiras como a de Caruaru e cheiro de azeite-de-dendê no ar?

Quanto aos institutos de opinião, a questão é que sofrem de falta de assunto, nas entressafras das campanhas eleitorais. Então, fazer o quê ? Houve um que recentemente incluiu, entre as opções que apresentava aos consultados, a de ‘‘eliminar o presidente’’. Eliminar! Observe-se que o respeito às instituições e, mesmo, ao Código Penal. Claro que uma boa porcentagem de gente cravou sim, assim como, na pesquisa do Bonilha, cravou no separatismo. Em tempos de penúria e baixo-astral, vale tudo. Caso se apresentasse a opção ‘‘eliminar a mãe’’, certamente também seria bem votada. E se em vez de se perguntar se o gaúcho queira se separar do Nordeste, ou o cearense do Sul, se perguntasse se os pesquisadores de opinião deveriam ser confinados na Sibéria, é possivel que a alternativa atraísse muita gente.

Antes que se esqueça, e para encerrar o assunto: o problema do Brasil é que ele já está separado. Não horizontalmente, mas verticalmente. O que existe não é um país de uma lado e outro de outro, e sim um embaixo e outro em cima. A Bélgica e a India. Eles não se distribuem em fronteiras definidas no mapa, como as repúblicas soviéticas, mas se interpenetram. As vezes, um cidadão é vizinho do outro, mas um mundo os separa.

Em outras palavras, o problema do Brasil é o apartheid. Este, sim, valeria a pena enfrentar. Seria uma briga para unir o país, não para separar.

--artigo de 1991--

Propina em Linha Reta


















Nunca conheci quem tivesse levado porrada.

Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco; (em vão)
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza,

Não irei sozinho nessa barca.

Poema adaptado de Álvaro de Campos.

Banco Rural se recusa a trabalhar de novo com Caixa 2

Empresa: Banco Rural
Autor: Douglas Adamoski

Olá, serviço de Atendimento do Banco RURAL.Acompanhando pelos meios de comunicação todo o escândalo envolvendo esta instituição e o esquema de caixa dois no governo nacional, gostaria de saber se o Banco RURAL está oferecendo o mesmo serviço para candidatos a prefeito.Estou interessado em ingressar na política, e como preciso de pessoas sérias e experientes para administrar o caixa dois da minha campanha, acredito que o Banco RURAL, com toda sua experiência no ramo poderia me auxiliar nessa empreitada.Eu precisaria arrecadar fundos para bancar a publicidade da campanha, manter um esquema de compra de vereadores além de colocar o fundo de pensão dos servidores municipais no Banco RURAL para lucrar em cima do mesmo. Vocês teriam algum tipo de "Pacote de serviços" que supriria todas essas necessidades? Deixo claro que, após a eleição, priorizaria o Banco RURAL ou qualquer um escolhido pelo mesmo, nas licitações municipais.
Gostaria de saber também se os senhores dispõem de um serviço de transporte de dinheiro mais eficiente, pois não gostaria de utilizar cuecas para transportar o dinheiro desviado, pela insalubridade do local.
Obrigado pela atenção.

Caro Douglas,
O Banco Rural já se posicionou e reafirma que não compactuou com os depósitos, pois não sabíamos de tais movimentações bancárias. Tanto se faz que o Banco Rural informou qualquer retirada acima de R$100 mil de acordo com as normas do COAF ( Conselho de Administração Financeira) respeitando a legislação vigente. Seguem os comunicados publicados nos maiores veículos de comunicação do país recentemente).
COMUNICADO
Com o objetivo de esclarecer assuntos veiculados pela imprensa, recentemente, o Banco Rural esclarece: (...)
Superintendência de Marketing e ComunicaçãoBanco Rural

Fonte: cocadaboa.com

Buzz Aldrin, um desconhecido

Buzz Aldrin pisando na Lua, ressentido: "Linda vista", exclama

Eventos solenes pedem frases solenes. Desde que fora escolhido para ser o primeiro homem a pisar na Lua, Neil Armstrong, o comandante da Apolo 11 ouvira sugestões que incluíram de passagens da Bíblia a versos de Shakespeare.

Não podia ser simplesmente uma frase mais natural como "quanta poeira", menos pretenciosa, como "quem diria, conseguimos", mais útil como informação "andar aqui é fácil/difícil/gostoso/dói a perna" ou mais realista "estou preocupado com a volta", como Roberto Pompeu de Toledo uma vez protestou, ao invés de ‘‘este é um passo pequeno para um homem, mas um salto gigantesco para a humanidade’’?

Definitivamente não. E Toledo desconhecia ou omitiu que na verdade, havia um receio que a primeira palavra de um homem na Lua seria ‘’socorro !’’ Um evento de tal magnitude envolvia certos riscos, que são desnecessários expô-los aqui.

Pois bem, Armstrong e sua frase entraram para a História. Desafio o leitor a dizer o nome dos outros astronautas do projeto Apolo. Um desceu juntamente com Armstrong no modulo Lunar Eagle, foi o segundo homem a pisar na Lua, 15 minutos após Neil. O outro permaneceu orbitando a Lua. Poucos sabem, o único a ficar realmente famoso foi Armstrong. O nome do segundo homem é Buzz Aldrin, e Michael Collins foi quem permaneceu em órbita.

Pobre Aldrin. Ainda convalescendo dos surtos de inveja que o assaltaram depois da escolha de Armstrong, ao pisar em solo Lunar, exclamou: "Linda vista".

E por que coube a Armstrong pisar a Lua pela primeira vez na História? Uma resposta óbvia é porque era ele o comandante da missão.

Mas Aldrin não achava as coisas tão simples. Nem sua família. "Por que você não foi o primeiro?", perguntou-lhe o pai ao recepcionar o astronauta. Depois de deixar o programa espacial, o segundo homem a descer na Lua quase sucumbiu à depressão e ao alcoolismo, enquanto Armstrong recebia os louros e a atenção de todos pela conquista.

Mas há uma explicação menos louvável para a escolha Armstrong. Mesmo sendo o chefe da missão, Armstrong não era o mais importante. Como já foi dito, suspeitava-se que ele gritaria por socorro ao pisar na Lua, e somente uma pessoa dispensável poderia correr tal risco. Aldrin não poderia, porque era ele o piloto do Módulo Lunar Eagle, que os levaria de volta ao encontro de Collins, que orbitava a Lua no Columbia. E este era mais importante que Aldrin, pois era o responsável pelo retorno à Terra.

Essa história ilustra um dos pincípios do sistema corporativo. O seu chefe muitas vezes será um sujeito mais incompetente que você, pois esta na chefia porque é o lugar onde ele poderá fazer menos estragos. Mas não se engane, será sempre dele os méritos do seu trabalho.

Pobre Aldrin.

--Doutorsmith--

O Grande Desastre Aéreo de Ontem


Vejo sangue no ar, vejo o piloto que levava uma flor para a noiva, abraçado com a hélice.
E o violinista em que a morte acentuou a palidez, despenhar-se com sua cabeleira negra e seu estradivárius.
Há mãos e pernas de dançarinas arremessadas na explosão. Corpos irreconhecíveis identificados pelo Grande Reconhecedor.
Vejo sangue no ar, vejo chuva de sangue caindo nas nuvens batizadas pelo sangue dos poetas mártires.
Vejo a nadadora belíssima, no seu último salto de banhista, mais rápida porque vem sem vida.
Vejo três meninas caindo rápidas, enfunadas, como se dançassem ainda.
E vejo a louca abraçada ao ramalhete de rosas que ela pensou ser o paraquedas, e a prima-dona com a longa cauda de lantejoulas riscando o céu como um cometa.
E o sino que ia para uma capela do oeste, vir dobrando finados pelos pobres mortos.
Presumo que a moça adormecida na cabine ainda vem dormindo, tão tranqüila e cega!
Ó amigos, o paralítico vem com extrema rapidez, vem como uma estrela cadente, vem com as pernas do vento.
Chove sangue sobre as nuvens de Deus.
E há poetas míopes que pensam que é o arrebol.

O cerco se fecha em Salim

Maluf ao promotor: "Por que o senhor me odeia?"

O Ministério Público tem hoje nada menos do que 8 quilos de documentos provando que o ex-prefeito é beneficiário de pelo menos duas contas milionárias de empresas offshore (a Red Ruby, em Cayman, e a White Gold Foundation, em Liechtenstein) e que sua família – incluindo sua mulher – movimentou, desde a década de 90, outras dezenas de contas nos Estados Unidos, França, Suíça e Liechtenstein.


Arnaldo Jabor - Dirceu e Jefferson salvaram o Brasil


Ontem falei com Nelson Rodrigues num velho telefone preto que ele atende lá no céu, entre nuvens de algodão e estrelas de purpurina. Ele riu no telefone:

— Você só me liga quando está em crise? A crise é tua ou do país?

— Nelson, eu sou parte dos detritos da nação...

— Não faz frase, rapaz, olha a pose... Esta crise é maravilhosa, os brasileiros deviam se agachar no meio-fio e beber dessa sagrada lama. Ali está a salvação. O Brasil está assumindo a própria miséria, a própria lepra. Finalmente, os marxistas de galinheiro estão mostrando a cara, rapaz. Eles fazem parte da legião de cretinos fundamentais que infestam o país. Os cretinos fundamentais se escondem sob a capa da revolução, dos títulos acadêmicos, das togas de juízes, da faixa de presidente. Antigamente o cretino se escondia pelos cantos, envergonhado da própria sombra; hoje, se você subir num caixotinho de querosene Jacaré e falar “meu povo”, os cretinos formam uma multidão de Fla x Flu. Você pegue o Prestes, por exemplo; ele só fez errar na vida. Tudo que ele quis deu zebra, de 35 até o fim... No entanto, quem falar mal do Prestes provoca arrancos de cachorro atropelado no ouvinte: “Não admito, ouviu?!” Esta crise é boa porque revela a burrice da velha esquerda. Durante 25 anos organizaram um partido operário e chamaram os intelectuais que fizeram um carnaval danado, transformando o Lula num Padim Ciço. Mas, quando chegaram ao poder, debaixo de papel picado, resolveram se suicidar como as virgens do meu tempo: ateando fogo às vestes. Daí, a verdade inapelável e brutal: o comunista odeia o poder! Eles erram sempre, de propósito, para esconder a incompetência sob o pretexto do fracasso. Para eles, o fracasso enobrece e oculta a burrice. E em seu martírio, eles berram, orgulhosos como cristãos comidos pelos leões em filme de Cecil B. de Mille: “Fracassei em nome do povo!”

— Mas... Nelson... o proletariado sob o capitalismo...

— Pára com isso, rapaz; o homem é capitalista... Existe mercado desde o tempo dos macacos disputando minhocas no buraco. Só os cegos acreditam na utopia e só os profetas enxergam o óbvio. O óbvio é um Pão de Açúcar que ninguém vê. E o óbvio é que os petistas queriam fazer a revolução debaixo das pernas do Lula. Mas foram mexer com a única coisa que não podiam: com o canalha brasileiro. O canalha é um patrimônio da nacionalidade. Desde Tomé de Souza que roubam sem parar. Pois os canalhas estavam quietos, metendo as mãos nas cumbucas do Estado, quando de repente apareceu-lhes o Zé Dirceu, achando que ia passar-lhes o conto-do-vigário. Os canalhas olharam maravilhados a burrice lívida do Dirceu e sacaram na hora: “É tudo mané!..” Dirceu lhes esfregava milhões de reais na cara e eles piscavam cinicamente uns para os outros e diziam, contritos: “Perfeitamente, camarada Dirceu.”

— Você acha o quê do Dirceu?

— Ele me fascina. Eu o conheci em 67, por aí... Ele vivia atracado em postes, como vira-latas... Explico: o Dirceu não podia ver um poste que ele trepava em cima e escrachava o capitalismo. Você sabe que os comunas tratam o capitalismo como uma pessoa: “Hoje o capitalismo acordou de mau humor, o capitalismo tem de morrer!!!” Bem, como eu ia dizendo, o Dirceu vivia trepado em postes, falando da utopia, que ninguém sabia quem era. Alguns sujeitos rosnavam: “Quem é essa tal de utopia? É mulher dele?” Pois um dia o nosso Dirceu encontrou o Lula. Foi uma festa. O Lula era o robô perfeito para o Dirceu: operário, foice e martelo, barba, ignorante e sem dedo — tinha tudo para se tornar um símbolo de santidade, um messias da USP, onde as professoras se estapearam para pegar um autógrafo do proletário. Dirceu doutrinou o Lula, criaram o PT, até que Lula chegou ao poder. Aí apareceu o Dirceu “Ricardo III” — o verdadeiro — que esfregou as mãos: “Oba! Deixa comigo!!!” E jogou o Lula para córner. O Lula achou ótimo porque estava em fremente lua-de-mel consigo mesmo, segredando para D. Marisa: “Ei, mãezinha, quem diria, nós aqui, hein...?” E nem ligava: “Deixa que o Dirceu resolve!” E ia beijar rainhas e reis, lambido pelos grã-finos internacionais.

Foi aí que surgiu o canalha, ou melhor, o ex-canalha, porque o Jefferson entrou em cena como um Falstaff ao contrário, denunciando o comandante da revolução corrupta. O Jefferson e o Dirceu são a essência do teatro: protagonista e antagonista. Jefferson saiu da mentira para a verdade e o Dirceu da verdade para a mentira. A maior peça do teatro brasileiro foi o duelo dos dois na Câmara. O país parou como no Brasil x Uruguai.

Um é o espelho invertido do outro. Os dois juntos levantaram a cortina do erro brasileiro, um traçando o diagrama do sistema do atraso e o leninista fazendo a caricatura desse ridículo sonho revolucionário do qual o Brasil tem de acordar, para fazer a verdadeira revolução americana de que Sérgio Buarque falava. O Jefferson, que tinha passado a vida escondido na própria gordura, esgueirando-se por estatais e fundos de pensão, descobriu a deliciosa euforia da verdade. Ninguém é mais feliz que o Jefferson, tendo orgasmos de denúncias didáticas para o país, abrindo o alçapão de ratos. E ninguém é mais feliz também que Dirceu, finalmente livre de sua revolução fracassada, finalmente no ansiado martírio, o único sossego dos paranóicos.

O óbvio ululante é que eles não devem ser tratados como canalhas. Os brasileiros deviam ajoelhar-se e beijar suas mãos, pois Jefferson fez o maior tratado de sociologia da vida nacional e Dirceu fez uma revolução ao avesso — queria um socialismo stalinista e acabou fortalecendo a democracia.

Um dia terão uma estátua em bronze — os dois sob os braços ternos de uma grande deusa nua: a República celebrando seus heróis. Rapaz, isso é o óbvio: Dirceu e Jefferson salvaram o Brasil!” E desligou.

Puta que pariu, Severino!

O Ultimo vôo do Pequeno Príncipe

Bem cedo numa manhã de setembro de chuva torrecial, Jean-Claude Bianco, comandante do pesqueiro L’Horizon, lançou sua rede nas águas agitadas do Mediterrâneo ao largo da costa francesa, perto de Marselha. Avançando devagar, começou a descrever um curso amplo amplo e elíptico para o leste e depois em direção à Ilha de Riou. Apos três horas, percorrera o trajeto duas vezes e a imensa rede sulcara o fundo do mar a cerca de 100 metros de profundidade, capturando peixes e tudo o mais em seu caminho.

Içando o arrastão a bordo, a tripulação começou a separar a pesca. O imediato Habib Benamor estava prestes a descatar um bloco cinza-escuro de sedimento calcificado quando distinguiu um diminuto lampejo prateado.

Intrigado, pegou um martelo e esmagou a crosta, libertando o objeto em seu interior – uma pulseira de identificação cuja corrente achava-se quase intacta. Estava marcada e escurecida, mas o metal ainda cintilava numa das estremidades.

Benamor mostou seu achado ao capitão. Bianco esfregou a pulseira com esponja e detergente. As letras começaram a aparecer, todas maiúsculas : ANTOINE DE SAINT-EXUPERY e, em seguida, (CONSUELO).

Com um sobresalto de reconhecimento, Bianco compreendeu que o arrastão L’Horizon apanhara a chave do maior enigma literário do século 20: o desaparecimento, meio século antes, de Antoine de Saint Exupéry, um dos mais queridos escritores da França, autor do imortal livro infantil O Pequeno Príncipe.

‘‘Tiramos a sorte Grande’’, exultou Bianco naquele dia de 1998. Mas não era tão simples assim.

O aristocrático Saint-Exupéry nasceu com o século. Tinha 12 anos quando descobriu os aviões na pequena pista de pouso rural de Ambérieu, perto de Lyon. O garoto atormentou um piloto para que o levasse lá em cima numa daquelas máquinas frágeis e barulhentas, e foi fulminado pela alegria de voar.

Cadete da aviação militar aos 21 anos, qualificou-se como piloto e transferiu-se, aos 26 anos, para a Aeropostal, o serviço de correio aéreo para Casablanca e Drakar, no que então eram as colônias africanas de Marrocos e Senegal, pertecentes à França. Um ano depois, foi designado chefe da estação e ponto de abastecimento de cabo Juby, no deserto sul de Marrocos.

Administrando a estação, fornecendo informações sobre rotas de correio e examinando o deserto a fim de resgatar pilotos que haviam caído, ele mergulhou, como Charles Lindbergh nos Estados Unidos, na mais excitante aventura da época.

Em seguida, foi designado para Buenos Aires, na Argentina, com o propósito de inaugurar uma nova rota para a Patagônia.

Segundo o público admirador, que lia relatórios jornalísticos das corajosas proezas por trás da entrega de suas cartas, as rotas de correio dos anos 1920 e 1930 eram como os modernos vôos espaciais, e os pilotos de casaco de couro eram heróis pioneiros.
Inspirado por suas experiências na Aeropostal, Saint-Exupéry lançou seus primeiros romances, Correio do Sul e Vôo Noturno, que o tornaram famoso.

Quando a 2a. Guerra Mundial eclodiu, desastres e hospitalizações haviam deixado em Saint-Exupéry seqüelas de ferimentos e dores. Entretanto, aos 39 anos, velho demais para o combate aéreo, insistiu em juntar-se ao esforço de guerra, voando em pequenas missões fotográficas no esquadrão 2/33 de reconhecimento da Força Aérea Francesa. Com a derrota da França, foi para os Estados Unidos, onde começou a escrever e pintar as ilustrações em aquarela para O Pequeno Príncipe.

A clássica fantasia tornou-se um dos maiores sucessos da história literária, com mais de 25 milhões de exemplares vendidos em aproximadamente 100 idiomas. O livro conta a história de um menino, único habitante do asteróide B 612, que se paixona por uma linda rosa, briga com ela e parte para explorar a vida em outros planetas. O garoto recebe a sabedoria da vida de uma raposa: ‘‘Só se vê bem com o coração.’’

Fantasioso e encantador em certo nível, o livro é claramente autobiográfico em outro. A rosa é sua mulher, Consuelo, com quem tinha um relacionamento tempestuoso, e o príncipe incansavelmente questionador é ele mesmo, refletindo sobre a vida enquanto voa entre as estrelas.

Em 1943, Saint-Exupéry voltou ao seu antigo esquadrão 2/33 de reconhecimento da Força Aérea Francesa Livre na África do Norte e depois se deslocou com ele para uma nova base na Córsega.

Equipado e apoiado pelos Estados Unidos, esse era um esquadrão de elite formado por jovens ases da aviação. Aos 44 anos, Saint-Exupéry estava velho, grande e pesado demais para o veloz, ultramoderno e fisicamente exigente Lockheed P-38, um bimotor com talentos de puro-sangue chamado ‘‘Lightning’’, que o esquadrão pilotava. Entretanto, utilizou a fama e os contatos políticos para garantir uma desgnação para pelo menos cinco missões.

Lockheed P-38

Na segunda, cometeu um erro durante a aterrissagem, provocando graves danos ao avião, e foi afastado. Foram tempo difíceis para Saint-Exupéry. O relacionamento com a mulher era tenso, tinha problemas financeiros e sentia-se deprimido e humilhado por causa do afastamento. Partidários do General Charles de Gaulle, o lider da guerra francês, repreenderam-no asperamente por ter ido aos Estados Unidos em vez de se reunir ao governo no exílio, em Londres.

O aviador veterano apresentava indícios de pensamentos suicidas. ‘‘ Sou completamente indiferente à idéia de morte’’, escreveu a um amigo, e contou a seus companheiros pilotos que adivinhos haviam previsto que sua vida terminaria no mar. Aproveitando-se de sua infuência, forçou um caminho de volta à lista de ativos. Na segunda-feira, 31 de julho de 1944, decolou do campo de pouso de Poretta, na Córsega, para uma missão de mapeamento sobre a França oriental, próximo à fronteira da Suíça, em um P-38 F-5B da série J. Nunca mais voltou.

O que acontecera com ele ? Diferentes teorias circulavam nos 60 anos seguintes, mas Saint-Exupéry, a personalidade literária, aos poucos foi se trnasformando, para os franceses, no Saint-Exupéry herói de guerra: o corajoso e solitário piloto, lutando para libertar seu país.

Em 1993, o banco central francês lançou uma nota de 50 francos que exibia um retrato do piloto, ladeado de sua ilustração de o Pequeno Príncipe. Os franceses, e sobretudo a família do aviador, gostavam de pensar em seu desaparecimento nos termos sonhadores expressos pelo Pequeno Príncipe, quase no fim do livro :

‘‘Tu, porém, terás estrelas como ninguém as teve… Quando olhares o céu de noite, eu estarei rindo ; então será, para ti, como se todas estrelas rissem!’’

Na manhã seguinte à descoberta da pulseira, Bianco a levou para Henri-Germain Delauze, fundador e presidente da Comex, empresa de mergulho industrial de Marselha. Delauze, engenheiro e explorador de náufragos, vislumbrou a mais prestigiosa de todas descobertas: o avião de Saint-Exupéry.

Mantendo a pulseira em segurança, levou seu barco de pesquisa, o Minibex, para a área em que o L’Horizon pescara e começou a inspecioná-la com o equipamento mais sotisficado possível: um sonar de pesquisa lateral, um robô teleguiado e um minissubimarino com capacidade para duas pessoas.

A busca prosseguiu por duas semanas, por mais de 100km2 no leito do mar, mas não havia vestígios do avião.

As notícias logo se espalharam e, no fim de outubro, Hervé Vaudoit, do jornal marselhês La Provence, publicou um artigo de primeira página anunciando a descoberta da pulseira de Saint-Exupéry.

Mas onde estava o avião? Entra em cena Luc Vanrell. Mergulhador profissional, dono de uma loja e de uma escola de mergulho em Marselha, lembrou-se de que, em 1982, havia fotografado uma estranha área de escombros metálicos perto de Riou. Enviara fotos para especialistas na França e na Europa, mas ninguém conseguiu identificar os destroços. Agora Vanrell se dava conta de que podia ter descoberto algo importante.

Voltou ao local e tirou mais fotografias, que dessa vez enviou, por mail a grupos veteranos da Força Aérea dos Estados Unidos. Eles encontraram em contato com Jack Curtis, um velho piloto de P-38 da 367a Ala de Combate.

Por dois anos, munido de encorajamento de Curtis e de uma pilha de documentos técnicos sobre o P-38, Vanrell mergulhou repetidas vezes em ‘‘sua’’ área de destroços, fotografando os restou enferrujados e cobertos de costras. Tornou-se um perito em identificação submarina: o eixo de controle de um aileron aqui, uma válvula de turbocompressor depositada ali, o suporte da estrutura de um trem de pouso mais adiante.

Era um trabalho lento, frio, meticuloso, e a colheita era magra, pois o avião havia claramente explodido com o impacto, espalhando seus fragmentos por uma área imensa. (Vanrell sabia que não podia haver restos humanos, pois o mar cuidara deles muito tempo atrás).

Em maio de 2000, ele declarou oficialmente sua descoberta ao DRASSM, o departamento de arqueologia submarina do ministério da Cultura, sediado em Marselha. No dia seguinte, encontrou-se com Bianco e Dalauze para contar seu segredo : todas as peças que encontrara correspondiam a um P-38 F-5B da série J. Descobriu-se que quatro deles haviam afundado e três já haviam sido identificados. Aquele, portanto, tinha de ser o avião de Saint-Exupéry.

A única forma de validar essa hipótese era conduzir as peças à superfície e procurar os números de série. No entanto, era ilegal retirar artefatos do fundo do mar. Alarmada com a pilhagem de destroços antigos por mergulhadores amadores, a França aprovara leis draconianas protegendo a herança arqueológica do país. Os membros sobreviventes da família do aviador também protestaram. ‘‘Eles sempre foram contrários à operação’’, explicou Vaudoit, o jornalista do La Provence. ‘‘Saint-Exupéry, desaparecendo como o Pequeno Príncipe, era sagrado para eles.’’

Mais três anos se passariam antes que o DRASSM concordasse com uma missão de identificação formal. Em setembro de 2003, Delauze levou novamente o Minibex para perto da Ilha de Riou e, sob a orientação de Vanrell lá embaixo, trouxe o trem de pouso, um turbocompressor, uma peça de alumínio da fuselagem e alguns componentes hidráulicos e elétricos. Depois de várias visitas, resgataram cerca de 10% da aeronave.

Philippe Castellano, historiador amador, mergulhador e presidente do Aéro-Re.L.I.C., clube especializado na localização e identificação de restos de aviões abatidos na 2a. Guerra, foi chamado para conduzir a identificação. Ele sabia exatamente o que procurar: um conjunto de número específico.

‘‘A Lockheed identificava sua aeronaves com quatros números de fabricação específicos para cada avião, gravados em locais diferentes da estrutura, que provavelmente sobreviveriam a uma queda’’, explicou. ‘‘O que eu estava procurando era o número 2734. Era esse o cálice sagrado.’’

Inclinando-se sobre os pedaços de metal espalhados no chão de concreto de um hangar emprestado, Castellano e sua equipe pacientemente verificaram cada fragmento, como joalheiros inspecionando diamantes.

Ao chegarem à armação de um turbocompressor do motor, o coração de Castellano deu um salto: lá estava ele, na base do lado esquerdo, gravado a mão no aço com um martelo e um cinzel : 2734.

Ele ergueu o punho : ‘‘é isto aí, rapazes’’, gritou. ‘‘Encontramos !’’

A verdade estava ali : Saint-Exupéry morrera no Mediterrâneo, a cerca de um quilômetro de Riou.

Mas como aquilo acontecera, e por quê ? Talvez ele tivesse sido abatido por um combatente alemão, um motor houvesse parado ou seu sistema de oxigênio tivesse falhado, levando-o a perder a consciência.

Os registros da Luftwaffe não mostram nenhum P-38 abatido derrubado em 31 de julho de 1944 e não havia orifícios de bala nas peças recuperadas. Quanto à hipótese de falta de oxigênio, havia ar suficiente para respirar quando Saint-Exupéry desceu a atitudes mais baixas.

A verdade parece ser menos heróica. O impacto nas peças recolhidas pelo Minibex – aço inoxidável retorcido e sanfonado – e a posição das válvulas do turbocompressor indicam que o último momento de Saint-Exupéry em vôo foi um mergulho quase vertical, com os motores em velocidade máxima. Isso indicaria que Saint-Exupéry sabia exatmente o que estava fazendo.

Em 31 de julho de 2004, 60 anos apos o dia do desaparecimento de Saint-Exupéry, o pesqueiro Khalifa, comandado por Habib Benamor, ancorou a um quilômetro da Ilha de Riou.
Vanrell estava lá, com Danlauze, Castellano, Bianco, Vaudoit e muitos outros que participaram da busca de mais de seis anos. Um padre proferiu algumas palavras e foram lidos trechos dos livros de Saint-Exupéry, incluindo O Pequeno Príncipe. Depois um buquê foi lançado ao mar.

Os fãs de Saint-Exupéry pelo mundo, que continuam a sonhar com a mágica que ele criou com sua pena, podem preferir a predição do Pequeno Príncipe : ‘‘Tu sofrerás. Eu parecerei morto e isso não sera verdade…’’

Por Rudolph Chelminski

Luis Fernando Verissimo - A morte da Velhinha de Taubaté

Prosseguem as investigações sobre a morte da Velhinha de Taubaté, que ficou conhecida nacionalmente por ser a última pessoa no Brasil que ainda acreditava no governo. O inquérito está sendo conduzido pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, dada a repercussão do caso. Um promotor sai de cinco em cinco minutos da sala em que está sendo interrogado o gato da Velhinha, o Zé, para informar à imprensa o que se passa lá dentro, embora o gato tenha, até agora, dito muito pouco. “Miau”, basicamente.

Houve um princípio de tumulto entre repórteres quando uma equipe da televisão, gravando clandestinamente no interior da casa da Velhinha, localizou um pedaço de papel com números e o que parecia ser a palavra “off-shore” em letra tremida, o que indicaria que a Velhinha tinha uma conta no exterior, onde receberia para acreditar no governo. Depois se revelou que eram números para jogar na Sena, que a Velhinha sempre acreditava que ia ganhar, e que a palavra escrita era “oxalá”. Mas alguém ficou com o papel e é possível que a notícia “Velhinha tinha conta no exterior” apareça em alguma manchete nos próximos dias para atrair a atenção, mesmo que o texto diga outra coisa. Sabe como é a imprensa.

Todas as CPIs em andamento no Congresso Nacional disputam a prioridade em convocar o Zé para depor em Brasília, o que tem acirrado o conflito entre elas, que muitos temem possa acabar numa guerra aberta com congressista brigando com congressista pelos corredores e todos se juntando para pegar o ACM Neto.

Só o gato poderia contar o que realmente aconteceu, na improvável hipótese de, ao contrário do que fizeram tantos outros nas CPIs, começar a falar. Mas pode-se deduzir o que levou a Velhinha a morrer — ou se matar com veneno no chá. Ela nunca se recuperou totalmente do choque da notícia da compra de votos para reeleger o Fernando Henrique, seu ídolo na ocasião, apesar de depois acreditar em todos os desmentidos. Debilitada, sofreu outro baque com as denúncias contra o Palocci, seu ídolo atual, e outro baque quando soube que nem no Ministério Público se podia confiar. Foi demais para a Velhinha.

O curioso é que as alegres multidões que iam até a sua casa na esperança de ver o fenômeno, um brasileiro que ainda acreditava, estão sendo substituídas por tristes romeiros que visitam o santuário improvisado na frente da sua casa, em Taubaté, na esperança de recuperar a fé. A Velhinha pode muito bem se transformar em milagreira depois de morta. As pessoas querem acreditar, pelo menos, em quem acreditou um dia.

Como Xuxa acabou com uma geração



Falando como um saudosista, novamente, lembro-me das escolas dos anos 60 e 70 onde muitos professores priorizavam a leitura. Nos antigos primeiro e segundo graus, a maioria dos alunos das diversas séries, gostava de ler. Ora porque se tratava de uma atividade que agradava, ora porque os exigentes mestres obrigavam os meninos e meninas, requisitando relatórios e trabalhos sobre um sem número de autores e suas obras-primas. O Colégio Luterano que estudei era rigoroso, e já nos primeiros anos do primário líamos "Os Mais Belos Contos de Fadas Russos, Poloneses, Dinamarqueses" e assim por diante. Em seguida aprendemos a conhecer melhor Monteiro Lobato e seus fascinantes personagens. No Ginásio (5.ª - 8.ª séries) já tínhamos conhecimento até certo ponto muito bom de Machado de Assis, José de Alencar, Graciliano Ramos, Flaubert, Victor Hugo, Dostoievsky, Tolstoi, Platão, Aristóteles, entre muitos mais. Outros garotos, meus contemporâneos, de diferentes escolas, liam e tinham a mesma noção de conhecimento literário, o que expandia nossos horizontes, preparando-nos melhor para a adolescência e vida adulta. Em qualquer sociedade civilizada, depois do renascimento e com o advento da imprensa de Gutenberg, a leitura era, e é fundamental para o desenvolvimento de uma comunidade, de uma cidade e de uma nação. Seja a leitura de bons livros ou mesmo ensaios, jornais e revistas de qualidade.

Lamento muito em olhar dados recentes de uma pesquisa do IBGE e outros institutos de ponta mostrando que o brasileiro tem diminuído sua leitura significativamente nos últimos 20 anos. Vendem-se atualmente, muito menos livros, jornais e revistas, proporcionalmente ao número de pes soas alfabetizadas. Uma pena.

Escrevo sobre a leitura, porque domingo passado neste mesmo caderno, o jornalista Leandro Calixto com muita perspicácia e brilhantismo escreveu sobre um mal que atinge os brasileiros há 20 anos. Calixto escreveu sobre a chamada "rainha dos baixinhos" Sra. Maria da Graça Meneghel, também conhecida como Xuxa. O jornalista foi incisivo ao dizer que Xuxa leva assuntos às crianças como se apresentasse um programa pornográfico. Verdade absoluta. Peço licença ao companheiro e reproduzo o artigo:

"A apresentadora Xuxa discute sexo, pede para os assistentes tirarem peças das roupas e ainda promove namoro entre os convidados. O 'Planeta Xuxa' teoricamente voltado para o público infantil, traz alguns atrativos típicos de alguns programas pornográficos exibidos nas madrugadas pela CNT e pela Bandeirantes ." Num horário infanto-juvenil e familiar, domingo 13h, 14h, Xuxa "chega ao cúmulo de questionar posições sexuais que os entrevistados mais apreciam. Outro exemplo de perversidade do programa é a explosão erótica desnecessária dos ajudantes de palco de Xuxa. Como se fosse um filme erótico, ela pessoalmente despe algumas das peças dos sarados paquitos, para delírio do público... Xuxa parece não ter consciência de sua importância na televisão... sua preocupação é exaltar o glamour, um mundo de sonhos, que na verdade é de difícil acesso ao grande público." Sem dúvida, ela não tem consciência de sua importância na televisão e nem preparo intelectual para discutir assuntos sérios ou entrevistar pessoas sérias. E por isso faz muito mal ao povo brasileiro há 16 anos. Explico. Maria da Graça Meneghel Xuxa apareceu no final dos anos 70 no Rio de Janeiro, sem qualquer formação profissional e educacional, como modelo em campeonatos de surf e boates da moda da época. Em 1979/80, ela teve a sorte de conhecer o tal de Edson Arantes do Nascimento, Pelé, que na ocasião vivia um mundo de sonhos. Pelé tinha encerrado a carreira de jogador de futebol no Cosmos de New York, cheio da grana e solteiro, caía na gandaia em São Paulo e Rio. Num desses inferninhos cariocas Pelé conheceu a Xuxa. Namoraram durante dois anos. Pelé levou-a para um patamar acima da fila de espera nas boates (o chamado "sereninho" para quem não tem status, espere na calçada para entrar) e introduziu-a ao mundo das revistas e filmes pornográficos. Xuxa, inocente aos seus 19, 20 anos, caiu direitinho. Tirou a roupa no cinema e nas revistas, deitou, rolou e caiu na farra. Um belo dia, algum produtor de televisão mais esperto convidou a Xuxa para apresentar um programa infantil de televisão na Rede Manchete. Ela topou, foi bem e anos depois passou a trabalhar na poderosa Rede Globo. Muito bem. Ou melhor, muito mal. Foi aí que toda uma geração de jovens brasileiros foi pra cucuia. Crianças de 4 a 17 anos em meados dos anos 80 simplesmente desistiram da escola. O mundo mudou aqui no Brasil. Como eu disse no começo, garotas e garotos dos anos 60 e 70 foram educados lendo, conversando, discutindo assuntos. A partir dos anos 80, a molecada passou a ser criada vendo televisão. Ou por que os pais trabalhavam e a melhor babá era a telinha, ou porque os pirralhos preferiam ver TV a ler uma revistinha ou um livrinho. E Xuxa colaborou muito para isso, mostrando durante quase duas décadas um mundo de fantasia para as crianças, que cativava e ensinava absolutamente nada. Tudo para aumentar o faturamento da emissora (nessa época descobriram essa fatia consumista infantil e juvenil) e aumentar também a fortuna pessoal da loira. Milhões de horas foram desperdiçadas em frente a TV. Pior, outras loiras e morenas de igual ou inferior valor a Xuxa apareceram na TV, sempre destacando brincadeiras e ensinamentos de gosto e utilidades duvidosos. Xuxa criou um mundo diferente. Meninos e meninas assistiam regularmente seus programas, disputando quem sabia mais sobre os mesmos.

O mal que a Xuxa fez para uma geração inteira, meninos e meninas que hoje têm entre 14 e 34 anos mais ou menos, é irreparável. Ela os tirou do mundo maravilhoso dos livros, da cultura, da escola (é claro que as crianças iam e ainda vão à aula, mas é mero cumprimento de dever) para se tornarem verdadeiros fanáticos adoradores do mundo irreal de Xuxa e suas paquitas.

Já é tão difícil para os pais insistir com seus filhos para estudar, fazer a lição de casa, freqüentar a escola regularmente, imaginem lutar contra um formador de opinião poderoso como a Xuxa e outras animadoras de palco infantis. As crianças que iam a escola pela manhã,muitas vezes faltavam para assistir ao programa da Xuxa. Ou então gravavam pela manhã para poderem se divertir à tarde. As crianças que estudavam àtarde, não faziam as tarefas de manhã e tampouco liam alguma coisa. Oleitor amigo duvida disso?

Faça uma pesquisa, como eu fiz, entre familiares, amigos, ou pergunte no seu local de trabalho para um desses jovens de 14 a 34 anos (mais ou menos) quem foi Balzac, Machado de Assis ou Monteiro Lobato. Pergunte para os mesmos se eles sabem quem foi Mozart, Beethoven, ou mesmo Rembrandt, Renoir, Tarsila do Amaral. Muito difícil ? Vamos facilitar. Pergunte para as atuais gerações se eles sabem o que é uma paroxítona, ou quais são os 4 pontos cardeais, ou ainda qual a capital da Bolívia.

Dia desses num desses programas de auditório, três artistas cantores e bailarinas de axé e pagode tentaram responder a essas perguntas. Sobre paroxítona a bailarina de uns 25 anos respondeu "é um remédio novo?" Para os 4 pontos cardeais o sambista (uns 29, 30 anos) disse que eram frente, verso, traseiro e dianteiro. E sobre capital da Bolívia o sujeito respondeu que era "Venezuela". O apresentador ficou com a cara no chão.

Tenho ouvido em pesquisas no rádio, TV e jornais, que adolescentes na faculdade escrevem "profição" ao invés de profissão e "séquiço" ao invés de sexo.

O resultado da doutrinação da Xuxa nos "baixinhos" dos anos 80 e 90 não têm limites. Pessoas na TV respondem as maiores besteiras da paróquia sobre qualquer assunto. Não creio que a cultura seja tão fundamental assim para o bem viver, talvez honestidade, boa educação estejam um passinho à frente. Mas a falta de leitura, de uma boa educação cultural prejudica o próprio sujeito, limitando suas possibilidades escolares e profissionais, afetando seu desenvolvimento junto a comunidade e segurando o desenvolvimento do País.

Xuxa, com muito prazer, não é a única responsável por escolas e professores medíocres. Mas ela contribuiu fundamentalmente para a criação de uma geração que vive de fantasia, de sonhos que não serão realizados, uma geração que só quer saber de pagode e axé music, sem responsabilidade, sem objetivos sérios. O leitor já tentou conversar com alguma dessas meninas e meninos de telemarketing, por exemplo, da Telepar, de um cartão Visa ou Mastercard ou de uma empresa qualquer? É um sofrimento. São pessoas despreparadas, arrogantes, parecendo muitas vezes com a gravação que sempre iniciam as ligações.

Gostaria de acrescentar ao brilhante artigo do Leandro Calixto, que a Xuxa tentou a vida com seus programas nos EUA. Não funcionou, foi quase expulsa de lá, porque para os padrões infanto-juvenis americanos, ela era completamente indecente, pornográfica. No Chile eles reconhecem a Xuxa como a "rainha dos grandinhos" pois é sexy demais para os meninos. Na Argentina também não colou.

E por último, o pior dos exemplos dessa ex-atriz pornô e modelo de revistas de mulher pelada, foi a aquisição do sêmen de um bonitão, que era "saudável o suficiente" para gerar um filho com ela, e depois o dispensou, assim como os familiares do pobre coitado. Belo exemplo para as crianças, para as famílias, para a formação de um País civilizado. Quem aprova as atitudes da Xuxa não pode falar nada das milhares de mães solteiras (contra a própria vontade) e dos meninos de rua abandonados pelo Brasil afora.

A Xuxa, infelizmente, destruiu uma geração, formando uma legião de fanáticos ingênuos e aculturados.Em qualquer país sério, ela estaria na cadeia.

Alisson Jones.

Cacá Diegues - O Futuro Passou




Eu estava no sertão de Alagoas, em fins de 1972, quando num início de noite, ao voltar de filmagem nos canaviais da região, encontramos a pequena cidade onde estávamos hospedados inundada por etérea luz azul, como num cenário fantástico de modesta ficcão científica. Conforme nos aproximávamos da praça principal, descobrimos tratar-se um aparelho de televisão, ainda em preto-e-branco, que o prefeito acabara de mandar instalar para uso público. Na praça, em torno do totem, vaqueiros e feirantes, coratadores de cana, pequenos funcionários rurais, homens, mulheres e crianças de todas as idades, com suas roupas de campo e instrumentos de trabalho, assistiam embevecidos ao show dominical da época, animado por apresentador vestido em impecável smoking, usando jargão e discurso tão distantes, mas que muito em breve se tornariam familiares de todo o Brasil.

Acho que foi ali, com aquela experiência, que comecei a me dar conta do que estava para acontecer no país, esse permanente laboratório de misturas, espaço histórico de convivência entre arcaico e moderno, autoritário e democrático, miséria e luxúria, inferno e céu. O audiovisual em geral mas a televisão de modo muito particular e relevante seriam, nas duas décadas seguintes, os principais protagonistas desse drama cultural que não sai de cartaz.

No início dos anos 70, cerca de uma década antes da Europa, a televisão brasileira já estava transmitindo em rede para todo o país, via satélite, um grandioso investimento do governo militar, feito em nome da segurança e da integração nacional. Em contrapartida, sob o mesmo pretexto ideológico, a ditadura montava um sistema concentracionário e cartorial de concessões, capaz de institucionalizar o necessário controle social da população. Como em nossa velha tradição das capitanias hereditárias, uma vez escolhidas, os beneficiários das concessões não têm de dar mais satisfação a ninguém, a não ser ao rei.

Tecnologicamente de ponta, atualizada, e, muitas vezes, à frente do que se faz no resto do mundo civilizado, a televisão brasileira estruturou-se em condições institucionais semelhantes às dos velhos engenhos de açucar do Nordeste. Da varanda de suas casas grandes, cercados de suas famílias e agregados, os quatro ou cinco senhores de engenho do audiovisual e da informação decidiam sobre o destino da senzala – nós, a população brasileira e nossas mentes.

O que está em questão não é a indiscutível competência e qualidade da televisão brasileira, mas a forma sobre a qual ela se consolidou institucionalmente, enquanto dava seu grande salto tecnologico. No Brasil, não tomamos nenhuma providência para nos proteger dessa espécie de Estado clandestino, como fez o resto do mundo, através de leis antitruste, compromissos de programação, reserva de produção e, sobretudo, a regra fundamental vigente em vários países civilizados, segundo a qual, pelo menos parcialmente, quem exibe não produz.

Nessas circunstâncias, nossa televisão dificilmente dara voz e acesso às representações dos mais variados segmentos da sociedade brasileira, dos regionais aos ideológicos, passando por toda a sorte de diferenças que temos a obrigação de garantir e até estimular.

Para o intelectual crítico que, à direita ou à esquerda, comeu mosca no passado recente, desprezando a televisão por falta de ‘‘aura’’, coloca-se agora num dilema – reconhecer que ela, a filha bem-sucedida da ditadura, concentracionária e superficial, escapista e autoritária, é amada pelo povo. Costumamos explicar seu sucesso pelo chavão mitológico do ‘‘monopólio da Globo’’. Mas é preciso ter a coragem de enfrentar o fato de que a Globo não é absolutamente um monopólio, somos nos que escolhemos vê-la, mesmo podendo mudar de canal ou desligar o aparelho quando bem entendermos. A Globo é uma escolha nossa e daí que vem seu poder – isso deve nos servir para desvendar não a Globo, mas o povo que a escolheu. *

No caso do cinema nacional, também continuamos enganados. Por coincidência ou não, assim que acabou o regime autoritário, alguma coisa crítica, típica da tradição da cultura brasileira, permaneceu inibida, sufocada pelo arrastão de uma nova imagem, de uma outra idéia de Brasil, certamente inaugurada pela televisão, mas consagrada sem dúvida pela própria população. A Globo foi o fascinante carro alegorico que abriu o desfile de um novo imaginário brasileiro, fixando uma certa percepção do pais, mesmo que outra realidade a confrontasse das arquibancadas. Que aplaudiam.

Nossa cultura sempre viveu desses enganos. Ou melhor, dizendo, dessa dualidade entre o que somos e o que gostaríamos que fôssemos. Diante do barroco colonial, extasiamo-nos embevecidos, orgulhosos de nossa própria exuberância e sensualidade. Em geral, associamos seus excessos a êxtase místico e gosto da vida, uma contradição que se resolve pelo sentimento de extrema generosidade que exala dos dois termos. Quase nunca lembramos que essas igrejas douradas foram construídas por milhões de negros escravizados, vítimas do mais torpe, corrupto e selvagem regime social de que se tem notícia nesse continente. Foi esse o sangue que financiou nosso sublime delirio, quando começamos a construir o mito de uma civilização solar e o mundo toma conhecimento de nossa ‘‘originalidade’’. Como as duas realidades fazem sentido, temos sempre intelectuais a nos falar de ambas. Se Gregório de Mattos e Antonio Vieira nos remetem à miséria e à corrução, ao inferno que encontram aqui, entusiasmados viajantes europeus descrevem nossas maravilhas e o padre Simão de Vasconcelos é levado ao tribunal da inquisição por afirmar categoricamente que o paraíso terrestre estava no Brasil.

Durante todo o século XX, a cultura brasileira oscilou entre a busca de uma identidade nacional e o desejo de integração cosmopolita na ponta do mundo conteporâneo. Essa busca de identidade não foi só um esforço de poetas e artistas, mas também de pensadores que centram nossa originalidade na idéia de um brasileirismo afetivo e gentil, retratado e construído por nos mesmos e vendido ‘‘la fora’’ com muito sucesso, até recentemente. Essa idéia de afetividade é recorrente em quase todos nossos intelectuais do periodo, do luso-tropicalismo de Gilberto Freyre ao homem cordial de Sergio buarque de Hollanda, do macunaimismo de Mario de Andrade à civilização gozosa de Darcy Ribeiro, do populismo carinhoso de Jorge Amado aos malandros e heróis de Roberto da Matta. Talvez devamos levantar a hipótese de que, embora essa afetividade nunca tenha se manifestado verdadeiramente em nossa história social, pode ser que ela seja o mais belo, profundo e secreto projeto inconsciente do povo desse país, sempre invibializado pelo Brasil dos Infernos, mas detectado e textualizado por mestres mediúnicos. O mistério do galo não está na ilusão de que ele seja capaz de fazer nascer o sol, mas em que seu canto anuncia a existência do sol, mesmo ainda por nascer.

Foi com a ditadura militar que o mito do ‘‘estilo brasileiro’’ começou a ser destruído. Mais do que o sucesso de uma cultura, de nossa música, cinema, arquitetura, literatura, o que encantava o mundo e a nos mesmos era a esperança de um novo ‘‘modo de ser’’ que estava por trás das canções, fimes, palácios, poemas. O projeto de civilização contido numa maneira diferente e sedutora de jogar futebol e brincar o Carnaval nos ajudava a suportar nossa barbarie social e, muitas vezes, esquecê-la. A violência do regime autoritário começou a enterrar, com seus torturados, mortos e desaparecidos, o futuro gentil do ‘‘estilo brasileiro’’. Mas foi em plena democracia que ele se acabou de vez.

Não percebemos isso de pronto. Para nós, durante a ditadura, o futuro, como tantos brasileiros, estava apenas exilado temporariamente, ele voltaria nos braços da democracia restabelecida. Derrubado o muro da ditadura, encontraríamos de novo a estrada interrompida, ao longo da qual todos os nossos problemas seriam resolvidos. Não sabíamos que o país havia perdido a inocência, para sempre. Tivessemos nós prestado mais atenção à história da Colônia, do Império, da República Velha, teríamos visto que o Brasil nunca foi muito diferente do que é. O mito brasileiro, transmutado varias vezes, é que sempre amenizou nossa visão de injustiça e violência.

Hoje, sem a proteção do mito e com as liberdades de volta, não paramos de nos maldizer. Não é que o Brasil tenha piorado, nós é que começamos a ver com clareza o que ele sempre foi. E a falar disso pelos cotovelos.

Como saiu de moda o álibi paranóico de uma certa cultura terceiro mundista, para a qual a culpa é sempre dos outros, ameaçamos cometer um novo erro, o da ‘‘clownização’’ da vida política, caindo numa extraordinária euforia nagativista em relação a tudo que a ela se refere. Ignoramos ingenuamente que a vida politica é a única mediação que temos para sair do dilema, se a destruirmos estaremos queimando nosso próprios navios.

O sentimento de fracasso do ‘‘estilo brasileiro’’ e, por conseqüência , da própria idéia de construção da nação, transformou-se num delírio pessimista, num pessimismo eufórico que chega às raias do autolinchamento público. Mas também num certo ceticismo oportunista – é que, ao consolidar a idéia de que o Brasil não tem mesmo jeito, estamos liberando suas elites predatórias a continuar o saque, pois não se conserva o que é ruim, não se constrói sobre o que não vale nada.

Temos o pretexto perfeito para nossa ma obra ou simplesmente para a ausência dela. Não somos bons engenheiros, jornalistas cineastas, jogadores de futebol, porque o Brasil não presta, nada de bom se pode fazer aqui. E isso nos pacifica, justifica nossos fracassos pessoais. Inventamos, assim, como ideologia de nossa impotência, o niilismo chique.

Estamos paralisados entre a saudade do matão, de um Brasil pastoril, barroco e cordial, e a decepção com o futuro que tanto nos prometiam. Talvez o Brasil seja mesmo o país do futuro, so que o futuro já passou. Esse estado de espírito coincide com o advento da ‘‘nova ordem mundial’’, ficamos tentados a deixar por isso mesmo, os vencedores ungidos produzirão para nós o que precisamos consumir. No máximo, desenvolvemos uma espécie de cultura da dublagem, colocaremos nossas vozes em suas facinantes dublagens, nossas almas em suas musicas, nossos corações em tudo o que eles invetarem para nosso gozo. Abrimos mão de produzir, no máximo reproduzimos.

Mas o desencanto também acorda outro tipo de consciência. Até aqui, mesmo nossos intelectuais mais críticos sempre se comportaram diante da realidade como se nada tivessem a ver com ela. E como se fôssemos todos turistas no inferno, fotografando as desgraças que nele vemos – críticos, mas turistas. Hoje, começamos a descobrir que o inferno, além dos outros, somos nós mesmos. O que estavam fazendo os assassinos da Candelária senão matando os que vivem na rua em nome dos que se protegem dentro de suas casas, os que têm fome dos que comem duas vezes por dia ?

A partir de uma consciência do que finalmente somos, sabemos que nada mais sera capaz de recuperar o mito paradisiaco brasileiro, que nenhuma bossa, nenhuma ginga ou jeito o trara de volta. Tanto mehor – so nos resta tratar de inventar um outro Brasil, a partir do ponto que estamos; o inferno e o paraíso estão ambos aqui mesmo, na forma de realidade e de um projeto possível para ela. Tudo depende de nós, não apenas um ‘‘nós’’ coletivo de nação, mas de cada indivíduo capaz de pensar e escolher. O fim do mito coletivista criou uma nova consiência da individualidade, erguida não sobre o egoismo capitalista, mas sobre a responsabilidade ética.

O sentido desse novo individualismo pode ser a questão central da nossa cultura que surge neste final de século, herdeira direta da televisão, filha do audiovisual com a informática.

Estamos diante de um mundo novo, terrível e maravilhoso, condenados a ele. Não para daqui a dez ou vinte anos, nem mesmo para o já tão proximo século XXI ; mas para daqui a muito pouco, para amanhã. Como será, por exemplo, o nosso inevitável ‘‘barroco interativo’’ ?

A natureza humana se democratiza pela cultura. E a isso que chamamos de civilização. A nossa, como temos visto, vive da dualidade entre um inferno real e o projeto de paraíso. Estamos ha séculos diante desse dilema, sem conseguir decifrá-lo. Mas, ao contrário do que pensa nosso corrente pessimismo, podemos estar às vésperas de numa oportunidade de resolvê-lo, em nosso potencialmente fértil labotatório de misturas.

Cito o poeta e filósofo Antonio Cicero, em ensaio recente: “podemos dizer que o paradoxo do Brasil esta em sendo capaz de oferecer a prefiguração para solução de alguns problemas que poucos paises conseguem efetivemente enfrentar, não ter conseguido efetivamente enfrentar alguns problemas que muitos outros países já resolveram, total ou parcialmente’’. A nossa grande chance esta justamente na solução desse paradoxo.

Fracassado o socialismo real, o que fazer, por exemplo, para manter viva a indignação dos homens diante da miséria e da injustiça, sem precisar dar livre curso às ideologias que como dizia Vaclav Havel, visam apenas preencher, a qualquer custo, o vazio neurótico deixado pelo desaparecimento do marxismo?

Como encarar a nova consciência de nossa individualidade, essa irremediavel solidão a que estamos condenados, só aplacada pela solidariedade aos outros ? Como garantir nosso o imprescindível direito à diferença, conquista recente da pessoa humana, sem excluir uma certa e universal hierarquia de valores, sem a qual não ha progresso material e espiritual da humanidade, que é uma só? Como elaborar o fato de que a cultura se opõe à natureza, sendo um universo alternativo e paralelo a ela, sem por isso ter que destruí-la ?

Duas idéias estão contidas em todas essas questões – a de tolerância e a de crise. A primeira, superior à de liberdade, da origem ao nosso semelhante – a tolerância é a liberdade do outro. A segunda nos afirma que o mundo jamais será um lago suiço de águas tranqüilas, que a crise é o estado humano por excelência, a viagem é o nosso porto, passar é o nosso dever.

Talvez essas duas idéias nos possam levar a uma espécie de neo-humanismo não triunfalista, ao fim de qual não se encontram mais as glórias que nos foram prometidas pelos humanismos clássicos, a vida eterna, a parúsia, a sociedade sem classes, o controle sobre a natureza, essas coisas que nos fizeram, através dos séculos, travestis de Deus. Em vez disso, aprendemos a conviver com nossos próximos defeitos, alguns irremediaveis, ‘‘suportando-nos uns aos outros’’, como está no evangelho de São Marcos.

O homem não é nem será nunca Deus. O que o faz diferente do resto da natureza é que ele aspira a sê-lo.

Quem sabe, na alvorada de uma nova cultura e da nossa nascente consciência da crise crônica, nos tenha sido finalmente reservado o papel de construir esse, ao mesmo tempo glorioso e modesto caminho, de levantar catedrais imperfeitas com a sucata de todas as civilizações que nos formaram, de todas complexas etnias, de todos os sangues que correm em nossas veias pouco a pouco, gradualmente. Precisamos queimar etapas, dar saltos para frente, esquecer o que não fizemos no século XX, para entrar com esperança no século XXI, olhando para o agora.

Solucionaremos então o paradoxo, resolveremos a dualidade entre Inferno e Paraíso, por uma maior compreensão da Terra, que somos nós mesmos, o Brasil e suas circunstâncias. Para isso, é preciso inventar um novo país e sua cultura, tendo como uma das fontes o audiovisual, essa maravilha do século XX, da qual o cinema, a dois anos de seu centenário, é o avozinho fundador. Penso na brilhante formula gramsciana, como instrumento – estimular o pessimismo da inteligência e o otimismo da vontade.

Ou então, exagerando e muito à nossa moda, dizer como o grande poeta Manoel Bandeira, pensando no Brasil : ‘‘ Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu ?’’